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Formei-me em Comunicação Social com habilitação em Relações Públicas em 1987 e nesta época já era executiva de contas na AAB, Ogilvy & Mather, onde comecei como estagiária.

Para quem não conhece, a história registra que a AAB foi a primeira agência de Relações Públicas organizada no Brasil, também a primeira a se tornar uma multinacional.

Era considerada “a escola de RP”. De lá saíram grandes profissionais, pessoas que até hoje se encontram anualmente, naquela época não havia internet. Enviávamos releases às redações por telex. Provavelmente hoje um estudante de comunicação só saberá o que é isso em um museu. A relação sinal de fumaça–telex é a mesma de telex–computador. Lembro da emoção que senti ao ver o primeiro fax funcionando. Aquilo parecia incrível, como podia alguém com uma folha do outro lado do mundo transmitir um conteúdo igualzinho para nós? A informação não era em tempo real e mesmo assim a preocupação com a agilidade da informação sempre foi uma constante. Evoluir, evoluir, evoluir!

Na faculdade onde hoje existem os laboratórios de informática, na época tínhamos uma sala repleta de máquinas de escrever. Uma barulheira danada, pois não eram elétricas. Quando comento isso com meus alunos, pareço uma vovozinha de 90 anos falando do início do século passado, e não do fim.

Quis o bom destino que após uma boa jornada no ambiente corporativo eu tenha voltado para o mundo acadêmico como professora. Ou seja, ao comemorar 20 anos de formada e mais uma vez ser convidada para paraninfa de uma turma, comecei a refletir sobre o que aconteceu neste período em que saí de aluna para professora. Vou focar na diferença aluno-professor do ensino de comunicação deste período na minha história. Bem, por sorte ainda mantenho um pé no mundo corporativo, caso contrário, não teria lugar no mundo acadêmico. Pelo menos não nas disciplinas que leciono que precisam estar alinhadas com o que acontece no mercado.

Se o meu retorno à faculdade fosse com a cabeça com a qual saí de lá, coitados dos meus alunos... Estariam passando branquinho no papel para reescrever o erro. Sim, já existia o “branquinho”...

Hoje, pelo menos comigo, apesar de ser bem exigente, tenho uma relação mais aberta. Os alunos têm outra cabeça, diferente da minha geração. São mais preocupados com o meio-ambiente, com responsabilidade social, com diversidade, com network etc. Porém são mais imaturos.

Na minha geração pais não iam à faculdade, não a entendiam como uma extensão do colégio. Consideravam que os filhos já podiam caminhar com as próprias pernas. Meus pais sequer souberam minhas notas na faculdade e acredito que até hoje não entendem direito no que me formei (Relações Públicas). Parte por culpa minha é claro. Mesmo assim apoiaram a minha decisão e se emocionaram em minha formatura. Os pais daquela época não preparavam seus filhos com orientação vocacional, embora existissem alguns testes para isso, ainda não se percebia o estudante com grande dificuldade de decisão. O estudante, por sua vez, gostava de demonstrar opinião própria ao afirmar com convicção sua decisão. Fosse verdade ou não, o importante era ter opinião. Por outro lado, não existiam as “981.727.496.839.324.384” profissões nas “5.349.875.039.846.056” instituições de ensino que estão hoje no mercado. As mais sólidas sobrevivem bem desde aquela época. Conhecíamos por nome todas as instituições e sabíamos as diferenças entre elas. Agora que sou professora e as deveria conhecer melhor, constantemente descubro uma nova “uni” da vida se autointitulando a melhor em comunicação, ou a que mais coloca no mercado, que mais ensina a prática e por aí vai. Não vou abordar o que aconteceu com o ensino no Brasil, quero ficar com a minha história.

Outra observação é que não íamos direto da graduação para uma pós-graduação. Tínhamos que trabalhar. Fui fazer minha primeira pós oito anos depois de formada. E lá só encontrei colegas mais maduros.

Hoje vejo alunos na pós com comportamento de faculdade e aluno de faculdade com comportamento de colégio. Como leciono para ambos os níveis, percebo bem essa diferença. Mas o curioso é que eles crescem mais e aparentam ser mais adultos mais cedo, só aparentam. Desejam vida de adulto mais cedo, coitadinhos. Se experiência de um valesse para o outro...

Para os alunos do 1º ano de faculdade, liberdade é poder sair da aula na cara do professor, de preferência enquanto ele está falando. Liberdade é poder trocar torpedo no celular e até mesmo conversar nele. Ou dialogar no MSN enquanto registra a aula. A quem esses alunos pensam que enganam? O professor ou a si mesmo?

Sim, sim, existem as adoráveis exceções. E mesmo esses, os inquietos, quando adestrados também são ótimos e divertidos. Mas é preciso ter bom humor. Não se pode dar aula num dia ruim. Não se pode levar para o lado pessoal. As vezes é preciso mentalizar o azul, abraçar a árvore, tomar floral, meditar e se fingir de estátua. Parece que os odeio, não é? Pois é, mas os adoro. Me fazem ficar mais atenta e atualizada, me divertem com suas histórias de juventude. Muitas vezes uma aula salva meu dia ruim, de tão prazerosa. A questão é que o modelo familiar também mudou, e como... E existe diferença entre o aluno com um modelo familiar tradicional e o moderno. Não vou entrar no melhor e no pior de cada um, mas sim registrar que o modelo moderno tem diferentes variáveis. Ou seja, o que na minha época era uma exceção à regra, e exceções não eram focadas, hoje se tornou em inúmeros submodelos que precisam ser observados com muita, mas muita atenção. O bom professor continua tendo um papel de destaque na vida do aluno. Só que precisa lidar com uma diversidade de públicos dentro de um mesmo grupo muito mais ampla. Públicos? Opa, essa é a praia do profissional de Relações Públicas, harmonizar o interesse dos diferentes públicos.

Mas o que este saudosismo todo demonstra nada mais é que a diferença de gerações que sempre existiu e sempre existirá. Porém no presente percebo um jovem mais perdido, mais imaturo e com mais tecnologia. Eles são inquietos, bombardeados de informações sem filtro. As mensagens de e-mail são tantas, sobretudo, que chegam em sala de aula com as notícias mais estapafúrdias. Confiam nas pessoas que as transmitem, mas as vezes essas pessoas somente as repassaram. Este é um ponto interessante. É sabido pelos profissionais e estudiosos de comunicação que a informação de maior credibilidade é aquela que vem de um conhecido de confiança. Por isso a evolução do boato à buzz marketing. No entanto, ninguém tem mais tempo ou paciência de checar informações, até mesmo alguns jornalistas que o teriam que fazer por obrigação.

Amo a tecnologia! Sou dependente tecnológica. Dou aula em Smartboard, levo apenas meu pendrive. Converso com alunos e clientes pelo MSN etc. Embora tenha um certo “medo” desses mega, hiper, ultra, super power celulares. Toda vez que sai um novo tenho que perder um tempo danado para aprender tudo de novo. E mesmo assim acabo usando uma parte infinitamente menor do que a capacidade do bichinho. Fora o teclado que fica cada vez menor. O visor cada vez maior, mas com mais informações. Isso não seria problema se os meus dedos não estivessem cada vez maiores e a minha vista cada vez mais com dificuldade de visualizar quem está ligando. Ai que lástima. Ainda bem que a tecnologia também desenvolve os antidepressivos.

Será que Darwin tinha idéia de onde chegaríamos e de ainda aonde poderemos chegar? Bem, eu não tenho. Mas ainda existe a arte, a música e “a gente vai levando, a gente vai levando, a gente vai levando essa vida”!

Denise Monteiro

Agosto/2007